terça-feira, 1 de novembro de 2016

Polícia Federal diz que UTC usou trabalho de estagiário para pagar R$ 475 mil a Ciro Nogueira

 

Investigação da Polícia Federal encontrou indícios de que o presidente do PP, o senador piauiense Ciro Nogueira, cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele é investigado em um dos inquéritos da Operação Lava-Jato, suspeito de ter solicitado R$ 2 milhões a Ricardo Pessoa, da construtora UTC. Para fazer os pagamentos — que totalizaram R$ 1,875 milhão —, o empreiteiro teria recorrido ao doleiro Alberto Youssef e a um contrato fictício com um escritório de advocacia, cujo único serviço teria sido um relatório produzido por um estagiário. Além de Nogueira, a Polícia Federal viu indícios de crimes cometidos por mais quatro pessoas: Fernando Mesquita de Carvalho filho, ex-assessor do senador, os advogados e sócios Fernando Mesquita de Carvalho Filho e Sidney Sá das Neves, e o próprio Ricardo Pessoa. A Polícia Federal viu indícios de corrupção passiva na conduta do ex-assessor. No caso dos dois advogados, a acusação é de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por fim, a Polícia Federal entende que Pessoa cometeu os crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. A conclusão do relatório foi publicada pela revista “Época”, na última sexta-feira. Ricardo Pessoa, que firmou acordo de delação premiada na Lava-Jato, relatou que o senador lhe pediu R$ 2 milhões no segundo semestre de 2013, alegando despesas médico-hospitalares de um parente. Pessoa disse ter atendido a solicitação, tendo em vista uma contrapartida futura, como obras no Piauí ou no Ministério das Cidades, na época chefiado pelo PP. Segundo termo de depoimento de Pessoa, reproduzido no relatório da PF, "o senador Ciro Nogueira chegou a falar o seguinte: 'Você tem que fazer obras no Piauí, porque a gente ainda vai crescer muito no Piauí'". O empreiteiro contou também que pagou inicialmente R$ 1,4 milhão, em três parcelas, por meio do doleiro Alberto Youssef. A entrega teria sido feita na casa do senador, em Brasília, por Rafael Angulo Lopez, que trabalhava com Yousseff, a uma pessoa chamada Fernando. Segundo a investigação da Policia Federal, trata-se de Fernando Mesquita de Carvalho Filho, que era assessor de Nogueira. Com a prisão de Youssef, em março de 2014, faltaram R$ 600 mil para completar a conta. O dinheiro restante teria então sido repassado por meio de um contrato fictício com o escritório de advocacia Hughes & Hughes, no valor de R$ 780 mil. Dessa quantia, ainda teriam que ser abatidos impostos, sobrando R$ 600 mil líquidos. Outra prisão, dessa vez do próprio Pessoa, em novembro de 2014, viria novamente a interromper os pagamentos. No fim, segundo a PF, dos R$ 780 mil, foram pagos R$ 475 mil entre agosto e outubro de 2014. Em depoimento reproduzido pela Polícia Federal, o advogado Fernando Hughes, do escritório, confirmou que o serviço foi prestado. A Polícia Federal diz, no entanto, que há elementos suspeitos. Pela troca de e-mails obtida, Hughes fez, por exemplo, uma minuta de contrato de R$ 85 mil mensais. Depois, a UTC revisou e elevou para R$ 100 mil. "Note-se que, conforme retrata a cadeia de mensagens, o contratante aumentou os valores a serem pagos como honorários!", diz a Polícia Federal. Depois, Fernando Hughes fez novo ajuste, elevando para R$ 130 mil mensais por seis meses, totalizando R$ 780 mil. Do trabalho do escritório de advocacia, a Polícia Federal encontrou ainda indícios de que foi feito apenas um relatório, de autoria de um estagiário, contendo processos de interesse da UTC em Brasília. No mesmo dia em que o trabalho foi concluído, ele foi encaminhado por Hughes para a construtora. A Polícia Federal relata ainda que a conta do escritório de advocacia foi aberta somente em agosto de 2014, pouco antes dos pagamentos serem realizados. Outro ponto destacado pela Polícia Federal é que os pagamentos foram feitos antes da entrega do relatório do estagiário, o que seria uma antecipação incomum de honorários. Ressalta também que o contrato entre a UTC e o escritório de advocacia tinha cláusulas genéricas. Segundo a Polícia Federal, há vários elementos que convergem para chegar à conclusão de que houve cometimento de crimes. Além do depoimento de Pessoa, são bastante destacadas as delações de Youssef, de Angulo e de Walmir Pinheiro, ex-diretor financeiro da UTC. Os depoimentos deles convergem, apontando que houve de fato os pagamentos da empreiteira para Ciro Nogueira. Outros depoimentos citados pela Polícia Federal foram de José Expedito Rodrigues Almeida, que foi assessor de Ciro Nogueira quando ele era deputado, e de Apollo Bernardes da Silva, o estagiário que fez o relatório. Expedito disse que o assessor Fernando era conhecido como Fernandão, sendo o "homem do dinheiro", a quem era confiado o transporte de valores. Para sustentar as conclusões do relatório, a Polícia Federal também usou documentos apreendidos no ano passado na casa do senador em Brasília, planilhas fornecidas por Angulo, passagens de avião em nome de envolvidos nos pagamentos e documentos entregues por Pessoa, como uma cópia do contrato com a Hughes & Hughes e e-mails trocados entre auditores contratados pela UTC e o escritório de advocacia. Segundo a Polícia Federal, Ciro Nogueira negou, em depoimento, ter pedido dinheiro para despesas médicas, já que vem de família rica, com renda mensal de R$ 200 mil e "planos de saúde custeados pelo Senado e ela pela Câmara sem limites de gastos", uma vez que ele é senador e a esposa, Iracema Portella, é deputada. Disse ainda que conheceu Ricardo Pessoa em 2013 por meio do então ministro das Cidades Aguinaldo Ribeiro, do PP, e que depois disso foi à sede da UTC em São Paulo "com o mero objetivo de conhecer a empresa". Em 2014, possivelmente em setembro, disse ter entrado em contato com Pessoa para pedir doações eleitorais entre R$ 400 mil e R$ 500 mil. "Indagado sobre a motivação de Ricardo Pessoa para o estreitamento da relação entre ambos, disse o Senador que ele possivelmente visava 'aumentar a interlocução no meio político' e também pelo fato de 'a UTC não estar entre as cinco grandes empresas da área de construção' ", diz trecho do termo de depoimento de Ciro Nogueira, segundo transcrito pela Polícia Federal. Quanto ao advogado Sidney Sá das Neves, sócio de Fernando Hughes, a Polícia Federal disse que era ele quem operava a conta bancária do escritório Hughes & Hughes tendo, inclusive, feito vários saques altos em dinheiro após os pagamentos da UTC, em 2014. À Polícia Federal, Sidney disse que fez essa movimentação em espécie em razão de "restrições" que Hughes enfrentava. Mas a Polícia Federal apontou que ele encaminhou parte dos valores para sua própria conta bancária. Observou também que Sidney recebia do sócio e-mails com cópias ocultas tratando do contrato com a construtora. O relatório da Polícia Federal é de 19 de outubro deste ano e foi assinado pelo delegado Thiago Machado Delabary. O ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Lava-Jato no Supremo, levantou o sigilo do inquérito e solicitou a manifestação do Ministério Público Federal sobre o caso. 

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