domingo, 4 de dezembro de 2016

Jurista Modesto Carvalhosa devasta a Lei da Mordaça para o Judiciário e o Ministério Público

Em artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, o jurista Modesto Carvalhosa devasta a tentativa da máfia parlamentar de intimidar o Poder Judiciário e o Ministério Público. Leia a íntegra abaixo:
"Na madrugada seguinte à da tragédia aérea que abalou o País, a Câmara dos Deputados, por obra dos 313 parlamentares que compõem a facção criminosa conhecida pela alcunha de Comando pró-Corrupção, promoveu uma das maiores afrontas que o povo brasileiro já sofreu em sua história. Eles massacraram, na calada da noite, os 103 deputados que integram a combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado Mendes Thame, e aprovaram uma pretensa lei que criminaliza os magistrados e membros do Ministério Público. Acontece que essa medida demandaria um projeto de reforma constitucional para ser reconhecida no ordenamento jurídico. Com tal providência o Comando pró-Corrupção pretende impor a lei da mordaça ao Judiciário e ao Ministério Público, contendo o famigerado diploma conceitos vagos e subjetivos que permitem aos políticos corruptos condenar e afastar de suas funções qualquer juiz ou promotor que, por exemplo, se manifeste publicamente sobre um caso ou, simplesmente, falte com o “decoro”. Embora não tenham nenhum decoro na relação com seus pares e as empreiteiras, os parlamentares corruptos, com certeza, exigirão dos juízes e dos promotores o mais alto nível de discrição no exercício de suas funções, de modo a não ferir os sentimentos dessa casta criminosa, sob pena de esta – pasmem – os condenar ao impeachment! Dá para acreditar? Criminaliza-se toda a atividade de julgamento e de investigação. Qualquer político pertencente à facção criminosa da Câmara, investigado ou condenado, poderá alegar que houve abuso do promotor e do julgador, de modo a afastá-los de suas funções e buscar a anulação do processo ab initio. Trata-se do escabroso “crime de hermenêutica” adotado na Alemanha nazista contra os juízes. Nem Berlusconi poderia imaginar solução tão perfeita para legalizar o crime de corrupção. Os parlamentares corruptos, que formam a maioria esmagadora da nossa “Casa de Leis”, conseguiram desvirtuar completamente o projeto defendido pelos deputados Joaquim Passarinho e Onyx Lorenzoni, e subscrito por 2,5 milhões de brasileiros, ignorando totalmente o que previam as “10 Medidas” exigidas pela população nas ruas. O projeto que visava a punir a corrupção de políticos se transformou em projeto de punição de juízes e membros do Ministério Público. Acontece que a ação legislativa criminosa esbarra na Constituição da República. A propósito, cabem alguns esclarecimentos sobre crime de responsabilidade. Trata-se de matéria regida pelos artigos 29-A, 50, 52, 85, 100 e 102 da Constituição federal. Estão incursos nesse crime apenas o presidente da República, ministros de Estado, prefeitos, vereadores, ministros do Supremo Tribunal Federal, procurador-geral da República e os presidentes de Tribunais de Justiça, estes apenas quando retardarem ou frustrarem a liquidação de precatórios. Ainda que a Lei 1.079/50, sobre crimes de responsabilidade, seja mais extensiva, sua recepção pela Constituição está restrita exaustivamente aos agentes públicos previstos na própria Carta Magna. Não pode agora a hegemônica facção criminosa da Câmara estender esse tipo de delito aos juízes e aos promotores. A não ser que, no seu caviloso intento de legalizar a corrupção, consigam aprovar uma PEC que estenda a estes o impeachment em razão do mérito de seus julgados ou suas investigações. O crime de responsabilidade estabelecido na Constituição define-se como uma conduta ilícita praticada pelos agentes político-administrativos ali apontados e cujos julgamento e sanção são também políticos, o que não se coaduna com a atuação dos juízes e do Ministério Público. Por se tratar de infrações político-administrativas, elas são, em regra, processadas e julgadas no âmbito do Poder Legislativo. O julgamento é político e a sanção não tem natureza criminal, apesar da denominação “crime de responsabilidade”. Esse tipo de crime jamais pode ser cometido por pessoas enquanto exercem atividades jurisdicionais ou investigativas. A submissão de juízes e membros do Ministério Público a esse crime esvaziaria completamente as funções precípuas e cotidianas dessas instituições. O que se busca é punir um agente político que impeça o correto funcionamento dos Poderes do Estado. Isso nada tem que ver com a função de julgamento, promovida pelos juízes, ou de investigação e proteção do interesse coletivo, exercida pelos promotores. Juízes e integrantes do Ministério Público não são agentes políticos, sua atuação está limitada ao cumprimento das funções judicantes e de defesa da sociedade atribuídas pela Constituição. O Judiciário e o Ministério Público, já saturados de trabalho, teriam, se aprovado o sórdido projeto, de se consagrar primordialmente a responder por crime de responsabilidade ajuizados pelos réus e pelos investigados que desejarem opor obstáculos ao processo ou à investigação, ou simplesmente retaliar politicamente o Judiciário ou o Ministério Público. Em consequência, haveria uma enxurrada de processos de impeachment por crimes de responsabilidade que deveriam ser julgados pelos parlamentares, desviando-os da sua função precípua de legislar (?!). Essa medida espúria teria como efeito a completa “politização da Justiça” e o desequilíbrio entre os Poderes, banalizando função extremamente excepcional, atribuída ao Legislativo, de julgar os membros dos demais Poderes por práticas político-administrativas ilícitas, exaustivamente previstas na Constituição. Os investigados passariam a julgar os investigadores e os réus passariam a julgar os julgadores. Cabe a todos nós tomar as ruas para apontar, um por um, os 313 membros do Comando pró-Corrupção e repudiar suas ações criminosas no seio da Câmara, adotadas na sinistra madrugada de quarta-feira. Trata-se de medida “legislativa” que afronta a Constituição federal não só por ferir os princípios da moralidade e da impessoalidade, mas por desvirtuar a natureza restrita e especialíssima do crime de responsabilidade".

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