sábado, 3 de dezembro de 2016

Miguel Reale Jr. aponta o surgimento de uma nova política no Brasil, direta e instantaneamente da vontade do povo via redes sociais

Leia o artigo do jurista Miguel Reale Jr
Na quinta-feira 17 de novembro, em preocupante conversa com o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), José Horácio Ribeiro, após revermos as informações que nos chegavam, concluímos ser necessário reagir com presteza ao plano que se gestava na Câmara dos Deputados para aprovar uma anistia não só do crime de caixa 2, mas também, e especialmente, de lavagem de dinheiro e corrupção relacionadas a campanhas políticas. Tive a tarefa de redigir um manifesto. Com uma minuta ainda a ser corrigida, o presidente do Iasp conseguiu a adesão de inúmeras entidades. Era necessário agir com urgência e combinar o institucional, o antigo, com o novo, o movimento social que arregimenta não uma classe, mas número indeterminado de pessoas identificadas por valores éticos, comunicando-se pelas redes sociais. Era preciso ter a concordância do Movimento Vem Pra Rua, do qual um dos líderes é Rogério Chequer. Institutos de Advogados da maioria dos Estados do Brasil aderiram, bem como a Associação dos Juízes Federais, a Associação do Ministério Público de São Paulo, o Movimento do Ministério Público Democrático, o Movimento de Defesa da Democracia, MDA, a Associação dos Magistrados de São Paulo, o Instituto de Direito Constitucional. E o Movimento Vem Pra Rua. Na segunda-feira 21 de novembro, houve no Iasp uma entrevista coletiva com leitura do manifesto e boa parte da imprensa compareceu. Nós, os representantes da classe jurídica, de paletó e gravata e representando os novos movimentos sociais, de roupa esporte, Chequer. Curiosamente, apenas as rádios, os sites jurídicos Conjur, Migalhas, Jota e os políticos (O Antagonista) de amplo acesso deram destaque, além, claro das redes dos movimentos sociais. Com ênfase, no manifesto dizia-se: “Constitui um tapa na cara da sofrida população brasileira pretenderem os parlamentares legislar em causa própria, para se autobeneficiar e escapar da justiça penal pela porta dos fundos por via de anistia que concedem a si mesmos”. Há nessa proposta, dizia o manifesto, “uma afronta grave ao princípio da moralidade, dado elementar de nossa constituição, além de se atingir o sentimento de honradez do povo brasileiro, cansado da corrupção que destruiu o patrimônio da Nação, criando imenso descrédito para a já abalada democracia brasileira”. E finalizava ressaltando a indignação de representantes de entidades da sociedade civil e de movimentos sociais ante esse projeto desonesto de alguns deputados que pretendem, pela anistia, se autoproteger ou proteger políticos correligionários. Em vista do alerta criou-se no Twitter a hashtag #AnistiaCaixa2Não, que veio a ser o assunto mais comentado do Brasil, ou seja, entrou para os trending topics no dia em que a votação da anistia estava para ser feita, com a aprovação da urgência em plenário e a rejeição do voto nominal, proposto pelo PSOL. Os movimentos sociais, em especial MBL e Vem Pra Rua, haviam intensificado sua atuação nas redes. Nessa angustiosa manhã de quinta-feira 24 de novembro, criou o Vem Pra Rua outra hashtag que se alastrou como rastilho de pólvora, #♯MaiaÉoNovoCunha, tornando-se imediatamente popular. Se a grande imprensa dera pouca atenção ao manifesto, por não acreditar na trama que se urdia, os fatos, todavia, eram patentes, com reuniões noite adentro e até com o surgimento de uma norma que seria introduzida no projeto das medidas contra a corrupção. O texto da emenda, cuja autoria ninguém queria admitir, iniciava-se com a seguinte locução: “não é punível a doação contabilizada”... Imediatamente veio à mente o claro raciocínio: se é contabilizada, não é caixa 2, é lavagem, ou seja, é propina que vira caixa 1, produto de corrupção travestido de contribuição legal a partido político. Era a porta aberta para a impunidade. Mas nas costas do Congresso Nacional estava a sociedade brasileira, em grande ebulição e indignação. Diante da reação social, com hashtags críticas no Twitter se popularizando e os sites políticos, como O Antagonista, atuando na rede com intensidade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que se ausentara da direção dos trabalhos, voltou a plenário e decidiu suspender a sessão sob a alegação da falta de quórum. Logo em seguida, em entrevista, Maia afirmou que jamais entrara em pauta a questão da anistia, assunto fruto de um erro de comunicação! Diante, porém, do risco de aprovação da anistia, que em grande parte punha por terra muito do caminho percorrido de responsabilização da corrupção apurada na Lava Jato e em outras operações, os movimentos sociais resolveram convocar a população a voltar às ruas amanhã, domingo, que passa agora a ter outra motivação. Por iniciativa de Michel Temer, ao meio-dia do ensolarado domingo passado, os presidentes da República, do Senado e da Câmara deram entrevista coletiva para negar apoio a qualquer projeto de anistia, que não tinha o seu beneplácito. Proclamaram respeitar as ruas. A força política não está mais nos partidos, nos parlamentares, mas no povo, que encontrou como vocalizar, como se expressar e mostrar seu inconformismo diante do despudor de alguns de seus representantes oficiais. Os três chefes de Poder, exprimidos na bancada, atenderam ao clamor popular expresso nas redes sociais. Há uma mudança radical ainda não digerida pela classe política. A democracia representativa deve se adequar ao fato de o povo fiscalizar e cobrar o Congresso pelo Twitter, Facebook, Instagram, Telegram, WhatsApp. Essa força revelou-se novamente esta semana, fazendo o Senado rejeitar, por pressão social, a urgência urdida por Renan Calheiros para votação do desvirtuado projeto das medidas contra a corrupção. São novos tempos.

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