terça-feira, 28 de março de 2017

Novo livro sobre a matança de judeus na Polônia expõe ponto nevrálgico



Uma proeminente historiadora polonesa apresentou, provas na quarta-feira passada, sobre o massacre generalizado de judeus que fugiam dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, botando o dedo na ferida em um país que ainda debate sobre seu papel durante o Holocausto. A pesquisa pode irritar o governo polonês nacionalista, que tem visado aqueles que buscam minar sua posição oficial de que os poloneses eram apenas heróis na guerra e não colaboradores que cometeram crimes hediondos. Ao lançar a versão em inglês de seu livro de 2011, "Such a Beautiful Sunny Day", Barbara Engelking detalha dezenas de casos de poloneses comuns violando mulheres judias e matando judeus com machados, pás e pedras. O livro, que saiu em polonês sob o governo anterior, pegou emprestado seu título das últimas palavras de um judeu pedindo a camponeses para pouparem sua vida antes de ser espancado e morto a tiros. A obra apresenta uma acusação feroz sobre a cumplicidade polonesa que agora atingirá um público muito mais amplo. "A responsabilidade pelo extermínio dos judeus na Europa é assumida pela Alemanha nazista", escreve ela. "Os camponeses poloneses eram voluntários na esfera do assassinato de judeus". Por décadas, a sociedade polonesa evitou discutir tais assassinatos ou negou que o antissemitismo polonês os motivasse, culpando os alemães por todas as atrocidades. A reviravolta foi a publicação de um livro, "Neighbours", em 2000, pelo sociólogo polonês-americano Jan Tomasz Gross, que explorou o assassinato dos judeus de Jedwabne por seus vizinhos poloneses e resultou em amplo exame de consciência e desculpas oficiais do Estado. Mas, desde que o partido conservador e nacionalista Lei e Justiça consolidou seu poder, em 2015, ele procura eliminar a discussão e a pesquisa sobre o tópico. Demonizou Gross e investigou-o sobre se ele havia caluniado o país afirmando que os poloneses mataram mais judeus do que alemães durante a guerra - um crime punível com até três anos de prisão. Apesar do clima atual, Engelking disse não ter medo de recriminações e orgulhosamente enfrenta o revisionismo histórico do governo. "As pessoas pensam que eu deveria ter medo, mas não tenho. Tenho agora um senso de liberdade interior e eles não podem me prejudicar de nenhuma maneira", disse ela durante um simpósio sobre o lançamento de seu livro no Museu do Holocausto de Israel (Yad Vashem). "Deixem que eles tentem ... Estou comprometida em dizer a verdade, só isso”. Engelking, fundadora e diretora do Centro Polonês de Pesquisas sobre o Holocausto em Varsóvia, disse que sua pesquisa de dez anos se baseou em diários, documentos e arquivos judiciais que deram voz não apenas aos sobreviventes, mas também às vítimas. O governo israelense há muito aponta a Polônia como tendo o maior número de cidadãos homenageados pelo Yad Vashem por salvar judeus como prova de seu heroísmo. Engelking, no entanto, disse que havia muito menos poloneses que ajudaram os judeus do que aqueles que os traíram e que o clima fez com que as ações dos poucos se tornassem ainda mais nobres. "Havia castigo severo de alemães por ajudar judeus. Eles (os salvadores) agiam não só contra a lei alemã, mas contra seus vizinhos, contra a atmosfera, contra o senso comum de antissemitismo ", disse ela. Mateusz Szpytma, historiador do Instituto Nacional de Memória da Polônia, disse que o livro foi escrito em "estilo acusador" e muitas vezes se baseia em uma única fonte. "A atenção é quase exclusivamente focada em eventos negativos que ocorreram, mas não foram os únicos", disse ele. "Quase todos os elementos desfavoráveis aos poloneses são considerados verdadeiros. As coisas positivas são empurradas para a margem". O conhecido historiador do Holocausto israelense Yehuda Bauer disse que a novidade das descobertas de Engelking é a incrível crueldade contra os judeus que ela detalha. "É algo que nós imaginávamos, mas ela provou", disse ele. Ele disse que há paralelos com a maneira como os judeus eram tratados pela população local em outros países europeus como a Lituânia, Bulgária e Grécia. Mas o escopo do genocídio na Polônia - metade dos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto eram poloneses - faz das descobertas de Engelking mais relevantes. Havi Dreifuss, estudiosa da Universidade de Tel Aviv e diretora do centro de pesquisa sobre o Holocausto na Polônia do Yad Vashem, disse que a pesquisa de Engelking lançou uma nova luz sobre a última fase do Holocausto, depois que os judeus foram fechados em guetos e enviados para campos de extermínio. Até aqueles que conseguiram sobreviver ainda enfrentavam a ira de seus compatriotas. Ela disse que as estimativas variam entre 160.000 e 250.000 judeus que escaparam e buscaram ajuda de outros poloneses. Ela disse que apenas cerca de 10% a 20% das pessoas sobreviveram, com o restante rejeitado, denunciado ou morto pelos próprios poloneses rurais. "Esta pesquisa revela não só os imensos esforços dos judeus para escapar, bem como o desespero judaico e a impotência. Ela também expõe a terrível realidade em que se encontravam esses judeus: uma realidade em que poucos atos de bondade se perderam entre os inúmeros atos de crueldade, abuso e maldade ", disse ela. Os poloneses têm sido criados em meio a histórias do sofrimento e do heroísmo poloneses na época da guerra e muitos reagem de maneira visceral quando confrontados com o crescente material de estudiosos sobre o envolvimento polonês na matança dos judeus. Uma pesquisa recente mostrou que uma esmagadora maioria dos poloneses acredita que seus antepassados ajudaram a salvar judeus e raramente os entregaram. Engelking disse que isso não deve mudar enquanto esta "propaganda" continuar e não for permitido que "a verdade sobre o nosso comportamento durante a guerra" seja compartilhada amplamente nas escolas e com o público. "Espero que, depois desta revolução que estamos experimentando agora, da próxima vez teremos outra contra-revolução", disse ela.

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