quinta-feira, 8 de junho de 2017

Delator Sacha Reck diz que conselheiro do TCE, desembargador e cúpula de Beto Richa favoreceram empresas em licitação


A colaboração premiada firmada no âmbito da Operação Riquixá pelo advogado Sacha Reck – que representava o Sindicato das Empresas de Transporte de Curitiba e Região (Setransp) – apontou que um núcleo ligado ao então prefeito de Curitiba- e hoje governador paranaense - Beto Richa (PSDB) intermediou a inclusão no edital de itens que teriam favorecido as empresas de ônibus, a pedido dos empresários. Conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pelo Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio (Gepatria), ambos vinculados ao Ministério Público do Paraná, as investigações serão aprofundadas a partir da delação do ex-advogado da Setransp, que também forneceu documentos, e-mails e troca de mensagens aos promotores. O depoimento de Sacha menciona o desembargador Ramon de Medeiros Nogueira (que à época era advogado de Richa em questões eleitorais), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Ivan Bonilha (que era procurador-geral do município, na gestão de Richa como prefeito), o deputado federal Osmar Bertoldi (DEM) e o chefe de gabinete de Richa, Deonilson Roldo. Apesar da menção, a Procuradoria-Geral da República considerou que não há elementos suficientes para que se instaure investigação contra as autoridades com prerrogativa de foro no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. De acordo com a delação, o Setransp teve acesso ao edital de licitação antes mesmo de o documento ter sido publicado oficialmente – o que ocorreu em 29 de dezembro de 2009. Os empresários apresentaram uma série de sugestões à Urbanização Curitiba S/A (empresa de economia mista que administra o sistema de transporte público da capital). Mesmo após o lançamento do edital, as empresas conseguiram alterar alguns pontos, contando com a “interlocução” do grupo ligado a Richa para vencer a “resistência” da procuradora da Urbs, Marilena Winter. “Estabeleceu-se um contato pelo empresário Maurício Gulin com o advogado Ramon Nogueira, que eles são amigos comuns com o Ivan Bonilha, que era procurador do município, que inclusive indicou a Marilena Winter pra ser a procuradora da Urbs. Então a tentativa era, como a doutora Marilena era muito resistente e não aceitava as condições, era bastante rígida, foi tentado através deles a questão dos esclarecimentos”, disse Sacha Reck. “Foram apresentadas sugestões de respostas ao advogado Ramon Medeiros, para que ele intermediasse junto a Urbs, porque ele tinha relacionamento com o Bonilha, pessoa de confiança da gestão Beto Richa”, resumiu. Em determinado trecho de seu depoimento, o advogado Sacha Reck explica os motivos pelos quais foi levado a fazer o acordo de colaboração premiada. O delator afirma que não suporta conviver com os erros e que quer se “curar” do episódio. Preso na Operação Riquixá em junho do ano passado, o advogado ficou detido por quatro dias.“Eu preciso me curar disso aí. Se eu eventualmente cometi algum erro na minha vida, eu quero resolver tudo agora e aconteça o que acontecer com a colaboração. Eu voluntariamente não aguento mais conviver com os erros que cometi no passado, dos quais eu já há muito tempo me corrigi, mas que agora estão vindo à tona. Eu tenho filhos muito pequenos, o volume de notícias no Google que tem contra mim é muito forte. O meu desgaste de não saber o que pode acontecer no dia seguinte, uma busca, é muito grande. Eu quero me liberar, liberar a minha alma de todos os possíveis erros que eu possa ter cometido e que, se outras pessoas cometeram erros, que façam, se assim elas entenderem, o mesmo procedimento. Não fiquem insistindo em defender o indefensável ou atribuir a este profissional que está aqui qualquer mentira”, disse. Os “esclarecimentos” são erratas publicadas posteriormente e por meio das quais a Urbs retificou o edital. Segundo o portal da Urbs, foram feitas 12 mudanças no edital da licitação. Entre as alterações, as empresas conseguiram incluir alguns itens-chave, principalmente uma cláusula que dava pontos na licitação a empresas que tivessem experiência em corredor (canaletas) de ônibus e outra que previa pontuação para os consórcios que pudessem iniciar a operação imediatamente.Para uma CPI realizada pela Câmara de Curitiba e auditorias realizadas pela própria prefeitura e pelo TCE-PR, esses pontos foram decisivos para direcionar a licitação às empresas que já operavam na capital paranaense – uma vez que elas já atuavam em Curitiba (e em canaletas) e tinham condições de início imediato. Em sua delação, Sacha Reck reconheceu que a cláusula incluída beneficiava os grupos empresariais ligados à Setransp. “Na minha opinião, todo e qualquer edital que coloca pontuação para início imediato favorece as empresas que já atuavam na cidade”, disse o advogado, na colaboração premiada. Sacha Reck revelou que o então deputado estadual - e hoje federal - Osmar Bertoldi também atuou em favor das companhias de ônibus. Filho de um empresário do setor, o parlamentar teria sido “bem imperativo” em dizer que o edital teria que ser mudado. O advogado apontou que Bertoldi acionou o chefe de gabinete de Richa para intermediar as alterações. “O pai dele era um dos empresários, que é o senhor Orlando Bertoldi. E o Osmar dizendo: ‘Não, temos que tentar mudar o edital. Não pode. Eles têm que fazer as alterações’. Em um sentido bem imperativo. Ele tinha acesso ao Deonilson, que era assessor do Beto Richa, que é o homem de confiança dele, o assessor de gabinete. Então, um dia foi marcado [sic] uma reunião na casa do Osmar Bertoli, com o Deonilson. Eu estava presente”, disse o delator. Ao detalhar como ocorreram as alterações nos editais de licitação, Sacha Reck destacou que nunca foi testemunha de pagamento ou pedido de propina de nenhuma das partes. “Nem durante a licitação, nem sobre a licitação, nem a apresentação da licitação até hoje com o Setransp. Nunca presenciei isso, não tenho conhecimento para poder afirmar qualquer situação nesse sentido”, disse.O delator também criticou o formato final do edital, mesmo após as emendas adotadas por atuação das empresas. “É um contrato que, apesar de todas essas interlocuções e contatos, ficou um contrato péssimo”, avaliou. Por conta da licitação, o advogado apontou que “as empresas estão todas quebradas em Curitiba, em estado pré-falimentar”. Ramon de Medeiros Nogueira tomou posse como desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná em janeiro de 2016. Ele ocupa a vaga do quinto constitucional – destinada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele foi escolhido pelo governador Beto Richa, a partir de uma lista tríplice definida pela Ordem. Quando Beto Richa assumiu o governo do Paraná, em 2011, Ivan Bonilha foi nomeado procurador-geral do Estado. Em 2015, ele assumiu a cadeira de número 6 do Tribunal Pleno do TCE-PR. Bonilha chegou a presidir o Tribunal de Contas, no biênio 2015-2016. Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Paraná arquivou o inquérito civil que havia sido instaurado para investigar a licitação do transporte coletivo de Curitiba. O órgão considerou que não houve irregularidades no processo de licitação e que “não houve violação ao princípio da competitividade”. A apuração havia partido da CPI da Câmara, que apontava o direcionamento no processo licitatório. Segundo o MP-PR, o edital e o contrato com as empresas levavam em conta as especificidades técnicas da cidade e que as exigências (como a experiência em operação em canaletas) eram indispensáveis à execução do serviço. A conclusão do Ministério Público foi diversa dos apontamentos da CPI, que apurou que 68,7% das empresas de ônibus que venceram a licitação pertenciam a uma mesma família. Além da Câmara, auditorias do TCE-PR e da prefeitura também haviam apontado que o edital favorecia as empresas. Ambas as apurações pediam o cancelamento da licitação. A Operação Riquixá foi deflagrada em junho do ano passado, em Guarapuava. Em sua primeira fase, os promotores denunciaram 22 pessoas, entre as quais o ex-prefeito da cidade Luiz Fernando Ribas Carli (PP); o advogado Sacha Reck; o irmão dele, Alex Reck; e o pai destes, Garrone Reck. Sócios de empresas de ônibus também foram denunciados. Segundo o Gaeco, os acusados formaram uma organização criminosa, especializada em cometer irregularidades em licitação para sistemas de transporte coletivo. Entre os crimes denunciados estão crime de responsabilidade (cometido pelo então prefeito); fraude em licitação e falsificação de documento público. A Riquixá também se estendeu por outras cidades do Paraná, como Maringá, Foz do Iguaçu e Curitiba. As investigações chegaram até o Distrito Federal, onde o grupo também teria agido. Em uma segunda fase da operação, foram cumpridas uma série de prisões em diversos Estados. 

Nenhum comentário: