domingo, 20 de agosto de 2017

Morre Jerry Lewis, o gênio da comédia no cinema

 

Ator, roteirista, produtor, diretor e cantor, o americano Jerry Lewis morreu na manhã deste  domingo (20), em sua casa em Las Vegas, segundo informou sua família, "de causas naturais". Um gênio da comédia, famoso por seu humor estilo pastelão, que levou aos palcos, cinema, rádio e TV, ele se destacou inicialmente na parceria com Dean Martin, encarnando o palhaço em contraponto ao galã certinho. Sozinho, Lewis fez sucesso com filmes como "O mensageiro trapalhão", "O terror das mulheres", "O professor aloprado", "Errado pra cachorro" e "Bagunceiro arrumadinho". Na segunda metade dos anos 1960, as bilheterias de seus filmes declinaram, mas ele seguiu como figura cultuada, em aparições esporádicas em filmes como "O rei da comédia" (1982), de Martin Scorsese. 

Filho de artistas profissionais, Lewis nasceu Joseph Levitch em 16 de março de 1926, em Newark, Nova Jersey. Sua mãe tocava piano, e seu pai era um arranjador musical. Lewis fez sua estréia aos cinco anos em um hotel no Borscht Belt, o lendário bairro do show business de Nova York, cantando "Brother, can you spare a dime?" Ele deixou o ensino médio, trabalhando como garçom, enquanto desenvolvia seus números de comédia, imitando cantores. 

Mas sua carreira só decolou quando ele se juntou ao jovem crooner ítalo-americano Dean Martin. Em julho de 1946, enquanto atuava no 500 Club em Atlantic City, um dos artistas que trabalhavam com Lewis desistiu abruptamente e ele sugeriu que Martin o substituísse. As piadas da dupla se tornaram uma sensação, e seus salários dispararam de US$ 250,00 por semana para US$ 5 mil. Quando apareceram na varanda do Paramount Theatre, em Times Square, a Broadway ficou tão lotada que o trânsito voltou para 59th Street. 










Jogando seus contrastes físicos e de personalidade - as macaquices e falta de habilidade de Lewis e o charme sedutor de Martin - eles se tornaram extremamente bem-sucedidos. O produtor Hal Wallis fechou para eles um contrato com a Paramount, e seu primeiro filme, "Amiga da onça" (1949), no qual eles foram lançados em papéis de apoio, foi um sucesso. 

Logo depois, Martin e Lewis estrelaram comédias como "O palhaço do batalhão" (1950), "O marujo foi na onda" (1952), "Sofrendo da bola" (1953), "Farra dos malandros" (1954), "O meninão" (1955) e "Ou vai ou racha" (1956), o último dos 16 filmes que fizeram juntos. Dean Martin se fartou de receber menos atenção que o parceiro e desfez a dupla, que fez sua última aparição na boate Copacabana de Nova York em 25 de julho de 1956. Eles voltariam a estar juntos publicamente só no Telethon de 1976, quando Frank Sinatra surpreendeu o anfitrião Lewis trazendo o ex-amigo ao palco. Dean Martin morreu em 1995. 

Após o fim da dupla, Jerry Lewis continuou a fazer filmes com o mesmo personagem maníaco e ingênuo que interpretava ao lado de Dean Martin. Ele fechou um acordo com a Paramount pelo qual receberia 10 milhões de dólares para fazer 14 filmes durante um período de sete anos - algo jamais visto em Hollywood. Ele começou com "O delinquente delicado" (1957) e engrenou numa série de sucessos: "O bamba do regimento" (1957), "Bancando a ama-seca" (1958), "O rei dos mágicos" (1958) e "A canoa furou" (1959). 

Em 1960, quando a Paramount não tinha filme para lançar no Natal, Jerry Lewis fez um em um mês: "O mensageiro trapalhão", o primeiro que dirigiu, e que escreveu no hotel Fontainebleau, de Miami, onde ele acabou de terminar uma temporada. Em termos franceses, Lewis tornou-se um "auteur", co-escrevendo, dirigindo e atuando em seus filmes. Em 1963, ele sedimentaria definitivamente sua reputação com "O professor aloprado", no qual vive um químico nerd, com problemas de visão, que desenvolve uma poção capaz de transformá-lo no sedutor cantor pop Buddy Love. 

A carreira de Lewis vacilou no final dos anos 60, no entanto, mas não por falta de esforço de sua parte. Infatigável, ele afirmou trabalhar todos os dias por um período de sete anos, acordando sempre às 3h30m da manhã. No entanto, sofria ataques dos críticos e, aos poucos, seus espectadores o abandonaram. Alguns também diziam que seu ego estava fora de controle. Por 13 anos, o ator esteve viciado no analgésico Percodan, prescrito para o tratamento de uma fissura na coluna vertebral que ele sofreu enquanto participava de um programa de TV em 1965. 

Em 1972, Jerry Lewis escreveu, dirigiu e estrelou um dos filmes mais controversos da história do cinema: "The day the clown cried" ("O dia em que o palhaço chorou"). Nele, interpreta um palhaço alemão que, durante a Segunda Guerra, tem como tarefa divertir as crianças judias a caminho da câmara de gás. Apenas uma cópia do filme foi feita e, em 2015, foi comprada pela Biblioteca do Congresso Americano. Alguns minutos do filme podem ser vistos no YouTube. 

Em 1980, após uma ausência de quase 10 anos da tela, Lewis tentou voltar com o filme "Um trapalhão mandando brasa". Mais sucesso, porém, ele teve ao viver um apresentador de talk shows seduzido por um fã obsessivo em "O rei da comédia" (1982), de Martin Scorsese, estrelado por Robert De Niro. A performance dramática de Lewis como uma assombrada estrela de TV foi saudada pelos críticos. 

Nos anos que se seguiram, ele apareceu em filmes como "Cookie" (1989), "Arizona dream: um sonho americano" (1993, ao lado de Johnny Depp), "Rir é viver" (1995) e "Max Rose" (2013), por ele estrelado, e no qual vive um pianista de jazz que faz uma importante descoberta dias antes da morte da mulher. 

Ainda em 2013, Jerry Lewis participou, ao lado do ator brasileiro Leandro Hassum, do filme "Até que a sorte nos separe 2", de Roberto Santucci. Ele interpretou um mensageiro de hotel, papel que o consagrou em "O mensageiro trapalhão". "É um personagem que eu amo, divertido de interpretar. Era divertido em 1960 e é divertido até hoje", disse Lewis à época. O diretor — que conseguiu o contato com o agente de Lewis por meio de um brasileiro que trabalhava em Las Vegas, onde a comédia foi rodada — lembra de como o comediante quebrou toda a tensão que havia em torno de sua figura ao chegar ao set de filmagem. 

"Recebemos uma lista de exigências para que ele participasse, com o número de horas que ele poderia filmar, por conta de suas dores nas costas. O set também deveria estar preparado para que ele circulasse com sua cadeira elétrica. Todos estavam tensos na sua chegada, até que ele desviou bruscamente sua cadeira fingindo que iria atropelar uma pessoa da equipe. Ali ele quebrou o gelo, todo mundo riu", recorda Santucci: "Jerry se dedicou de verdade, debateu as cenas e piadas, quis refazer as tomadas que ele não achou boas. Foi muito especial poder ver de perto o homem por trás do mito". 

Sua última participação em filmes foi em "A sacada", de 2016, como o pai do personagem Stone, interpretado por Nicolas Cage. Mundialmente notório pela graça que imprimia aos seus personagens, Jerry Lewis também podia ser incrivelmente mau-humorado na vida real. Como quando, em dezembro passado, entrevistado pelo "The Hollywood Reporter" em uma série sobre nonagenários que continuavam na ativa, submeteu o entrevistador a constrangedores sete minutos de perguntas e não-respostas. 

A comunidade artística reagiu com tristeza à morte do humorista. Robert De Niro publicou um comunicado em que dizia: “Jerry Lewis foi um pioneiro da comédia e do cinema. E foi um amigo. Tive a sorte de poder vê-lo algumas vezes nos últimos anos. Mesmo aos 91, ele não perdia o ritmo. Ou a piada. Sua falta será sentida". Um dos discípulos de Lewis, o ator americano Jim Carrey, também expressou seus sentimentos: “Aquele cara não era brinquedo, não! Jerry Lewis era um gênio inegável, uma benção insondável, a comédia absoluta! Eu sou porque ele era!” 

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