quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Miller disse a delatores que acordo nos EUA é "mais experiente e rigoroso"

Em mensagem encontrada no celular de Wesley Batista, o ex-procurador Marcello Miller diz que o sistema de colaboração nos Estados Unidos "é mais experiente e muito mais rigoroso" do que no Brasil e que "o jogo lá é diferente". Segundo a Polícia Federal, essa teria sido a única mensagem enviada por Miller para um grupo de Whatsapp criado no dia 31 de março. Faziam parte do grupo: os irmãos Wesley Batista e Joesley Batista, Francisco de Assis e Silva, advogado e delator, Fernanda Tórtima, advogada, Miller e Ricardo Saud, delator. 

A PF diz que o ex-procurador teve "o cuidado de se manifestar no grupo somente no dia 4 de abril, último dia dele de trabalho no Ministério Público". "Contudo, o teor de sua mensagem revela que ele ainda na posição de procurador já estava atuando nos interesses do grupo JBS." Miller termina sua mensagem dizendo "estou às ordens". Como dica, o ex-procurador orienta que o acordo da JBS nos EUA deveria evitar a inclusão de um "monitor", como aconteceu no caso da Odebrecht. Ele define que o monitor "é basicamente um interventor, só que pago pela própria empresa: é um profissional local (brasileiro) escolhido pelas autoridades americanas para fuçar todos os procedimentos de compliance da empresa e fazer uma espécie de auditoria da investigação. Espero que estejamos na mesma página". 

A JBS fechou dois acordos, o de delação, que envolve pessoas físicas, e o de leniência, que funciona como uma espécie de colaboração da pessoa jurídica. A suspeita da PF é de que houve o crime de corrupção passiva e ativa por parte dos colaboradores e de Miller, "consistente no recebimento de vantagem ilícita ou promessa de vantagem". "O que se observa é que grande parte dessa 'consultoria' foi realizada ainda no serviço da função pública", diz a polícia em relatório. A PF destaca ainda uma troca de mensagens entre Wesley e Joesley depois que o primeiro se reuniu com Miller no aeroporto do Galeão, no Rio, antes de o ex-procurador embarcar para os EUA para negociar a leniência do grupo. 

No diálogo, aponta a polícia, eles tratam sobre pagamentos ao ex-procurador. Segundo documentos do escritório Trench Rossi Watanabe, no qual Miller trabalhou por menos de três meses oficialmente, foi firmado um contrato com a JBS no dia 6 de março. As mensagens, de abril, tratam de dinheiro para o ex-procurador e usam o termo "ações". Não fica claro qual seria a operação financeira oferecida. Wesley escreveu: "Falei com ele [Miller], mas ele deu assim: não tive tempo de pensar, me dá uma semana aí. Achei ele um pouco menos empolgado. Ele falou: É, tal, tem que ver. Resumo, ficou assim mesmo. Eu falei, pensa, não falei de valores, mas falei: porra, pensa, acho que você pode ter uma oportunidade muito boa. Logicamente nós estamos em um momento que precisamos virar uma página aí, eu acho que a gente pode te oferecer uma coisa porra, que te dá aí uma, um "raging bônus" bacana, não falei valor. E falei: porra, podemos te oferecer um negócio aí que você põe "skin on the game" em ações e tal, se você ajudar nós a atravessar essa tempestade aí. Em resumo, você pode ter oportunidade de fazer um negócio relevante para você, tal. Falei assim. Ele falou: não, beleza. Aí ele deu uma, abriu o olho mais, falou, não, beleza, deixa eu pensar aí, semana que vem a gente fala. Então, vamos ver". 

A JBS é acusada de se beneficiar da compra de dólares e com a venda de ações da JBS, aproveitando-se do impacto no mercado de seu acordo de delação premiada.

A íntegra do que disse o ex-procurador no grupo, como consta em relatório da polícia: "Meus caros, só quero recapitular aqui a outra ponta, a dos EUA. Amanhã vou para lá para ver o que arrumo. O jogo lá é diferente. É um sistema mais experiente e muito rigoroso. Ontem eu falei por telefone com os procuradores americanos, inclusive com o chefe da unidade de FCPA, para testar a temperatura. Ficou claro que é muito importante que o MPF sinalize para o DOJ que tem interesse especial nessas tratativas, para não cairmos na vala comum de ter de fazer toda a investigação interna ANTES de um acordo. Se o MPF der esse sinal com clareza, a gente pode - não é garantido mas pode - conseguir bastante mais velocidade. Para isso, teremos de assumir no acordo a obrigação de investigar e ir apresentando os resultados para o DOJ e a SEC, disso não há dúvida. É o que eles chamam de remediation (que não se confunde com multa; remediation é mostrar disposição para agir de outro modo no futuro), e a remediation é uma exigência legal da estrutura de acordos lá nos EUA. Nosso maior desafio é evitar a imposição de um monitor, que Embraer e Odebrecht tiveram de aceitar: ambas estão sob monitoramento. O monitor - acho que vcs sabem, mas não custa lembrar - é, basicamente, um interventor, só que pago pela própria empresa: é um profissional local (brasileiro) escolhido pelas autoridades americanas para fuçar todos os procedimentos de compliance da empresa e fazer uma espécie de "auditoria da investigação". Espero que estejamos na mesma página. Se quiserem falar ou tirar alguma dúvida, estou às ordens".

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