quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O delator Lúcio Funaro deixa a cadeia e já está na fazenda de sua família no interior paulista, monitorado por câmeras e internet


A Justiça Federal em Brasília decidiu na terça-feira (19) transferir o corretor Lúcio Bolonha Funaro, delator de esquemas de corrupção envolvendo a cúpula do PMDB, do regime de prisão fechado para o domiciliar. O delator passou a viver em sua fazenda de Vargem Grande do Sul, no interior de São Paulo, numa espécie de "big brother" penal. Como não havia tornozeleiras eletrônicas para monitorá-lo, ele será acompanhado por câmeras que se comprometeu a instalar nas dependências do imóvel, com link direto para os gabinetes da 10ª Vara Federal no Distrito Federal e de procuradores do Ministério Público Federal. 

O corretor prometeu montar os primeiros equipamentos no imóvel na terça-feira, antes de sua chegada, e a ter todo o sistema montado até 2 de janeiro. Além dos aparelhos de captura de imagens, prometeu implantar uma tecnologia para backup (cópia de segurança) dos vídeos. Para convencer o juiz Vallisney de Souza Oliveira de que o sistema funciona, Funaro fez um teste em tempo real durante audiência para decidir seu futuro na terça-feira (19). Mostrando a tela de um celular para o magistrado, com imagens de sua casa na capital paulista, explicou: "Aqui, ó: minha mulher e minha filha, agora. Isso aqui é ao vivo". 

Inicialmente, a proposta do juiz era de mantê-lo em Brasília provisoriamente, em liberdade, mas cumprindo algumas medidas cautelares, pois, sem tornozeleiras, não havia garantias de eficácia no acompanhamento da prisão domiciliar. Mas o corretor fez um apelo, alegando temer proximidade com os políticos que denunciou, e apresentou a alternativa das câmeras. 

Funaro disse que "o último lugar" em que gostaria de estar é Brasília. "Hoje eu vivo uma batalha contra o governo. Foi por minha causa que foi apreendida a maior quantidade de dinheiro já feita no Brasil", argumentou, em referência à apreensão de R$ 51 milhões num bunker atribuído ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), atualmente preso. "Quem sofreu todos esses efeitos não deve estar contente", acrescentou. 

Por último, ao ver o funcionamento do sistema, o juiz consentiu: "Isso aqui é melhor do que tornozeleira". "Pede para o Lúcio aparecer na frente da câmera e eu vou estar na frente da câmera", assegurou Funaro. Ele se comprometeu a entregar periodicamente ao juiz um pen drive com todas as imagens da fazenda, além da lista das pessoas que o visitaram. Na falta de escolta policial, Oliveira aceitou que Funaro fosse acompanhado até o local da prisão domiciliar pelo próprio advogado. 

Ele disse que pretende se dedicar agora a complementar os anexos de sua colaboração, já que o prazo para isso se encerra em 60 dias. Funaro pediu ao juiz que autorizasse que 15 pessoas frequentassem a fazenda, entre elas um amigo para jogar tênis, mas a lista foi restringida. Ele pleiteará sair de casa para cursar Direito na cidade. A defesa chegou a citar a expectativa da filha de Funaro, bebê, com a volta do pai para casa. 

O corretor, que já se envolveu em dois grandes esquemas de corrupção e fez delação premiada, afirmou que agora dará um exemplo ao País. "Vou reciclar minha vida e mostrar para todo mundo que eu tenho capacidade de gerir negócios lícitos sem nenhum problema", comentou. Funaro seguiu para São Paulo ainda na terça-feira. Ele não usou jatinho. Disse aos jornalistas estar arrependido com os crimes que cometeu e satisfeito com o desfecho da audiência. Usou vôo comercial para São Paulo. "Tenho uma multa da Procuradoria-Geral da República para pagar", justificou. 

A Justiça Federal explicou que a solução das câmeras foi adequada, pois, sem as tornozeleiras, há três presos da vara que deixaram o regime fechado e estão hoje sem nenhuma fiscalização. A decisão é inédita na vara de Brasília e poderá abrir precedentes. Funaro foi preso pela Polícia Federal em 1º de julho de 2016, na Operação Sépsis. Após a prisão, aceitou colaborar com a Procuradoria Geral da República e denunciou episódios de pagamento de propina e caixa dois envolvendo o presidente Michel Temer e alguns de seus principais aliados, entre eles o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e o ex-ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, também preso.

O acordo com os investigadores previa inicialmente o cumprimento de dois anos de pena em regime fechado, que só se encerrariam em julho do ano que vem, mas o corretor teve remissão de pena por ter trabalhado, feito cursos e lido livros na cadeia. 

Durante o período de reclusão na Penitenciária da Papuda, em Brasília, ele leu obras como "O Processo", de Franz Kafka, sobre cidadão submetido a uma acusação por crime não especificado. Pela resenha sobre a leitura, descontou quatro dias na prisão. Além disso, fez cursos, cada um de 180 horas, de eletricista, biossegurança hospitalar, matemática financeira, direito administrativo e inglês básico. A cada diploma, subtraiu 15 dias de pena. 

A cada três dias trabalhados em tarefas como a triagem de materiais na Papuda, conseguiu ainda reduzir um dia de amotinamento. Funaro é réu de ação penal na qual é acusado de operar um esquema de cobrança de propina de grandes empresas, em troca de liberar recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) administrados pela Caixa Econômica Federal. Ainda não houve sentença, mas o tempo passado preso preventivamente será considerado em caso de eventual condenação. 

Na ação penal originada do caso, ele é acusado de atuar sob o comando do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente também preso, nesses desvios. A delação prevê agora mais dois anos de prisão domiciliar, sem o direito de sair de casa, salvo com autorização prévia, outros dois no domiciliar semiaberto e mais dois no domiciliar aberto.

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