sexta-feira, 27 de abril de 2018

TCU bloqueia R$ 508 milhões da Andrade Gutierrez

Em julgamento de mais de duas horas, o Tribunal de Contas da União decidiu na quarta-feira, 25, bloquear bens da empresa Andrade Gutierrez em até R$ 290,3 milhões (R$ 508,3 milhões em valores atualizados), por irregularidades relacionadas ao Contrato de Obras Civis da Usina Termonuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro.  É a primeira punição que o tribunal aplica a uma empreiteira alvo da Lava Jato que assinou com o Ministério Público Federal um acordo de leniência - espécie de delação premiada de pessoas jurídicas, que admitem irregularidades e colaboram com a Justiça em troca de redução de penas. 


A maioria dos ministros, acompanhando o relator Bruno Dantas, entendeu que, apesar do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal, a companhia não vem colaborando com as investigações junto ao Tribunal de Contas da União. Por isso, não está imune à punição, que visa garantir que, ao fim do processo, o Estado possa efetivar o ressarcimento dos recursos. A decisão é cautelar e cabe recurso à empresa. Além disso, foi determinada a abertura de uma tomada de contas especial - um processo para apurar as responsabilidades de agentes públicos ou privados pelas irregularidades cometidas.

Em longo voto, o relator, ministro Bruno Dantas, destacou que a Andrade Gutierrez já havia sido poupada de uma punição que a impediria de ser contratada pelo serviço público, junto com as empreiteiras propineiras Odebrecht e a Camargo Corrêa, mas que, ao contrário dessas duas empreiteiras, não estaria colaborando com o TCU. Os ministros Augusto Nardes e André Luís Carvalho manifestaram discordar da aplicação da medida de bloqueio de bens nesta fase do processo - Nardes depois acabou seguindo o relator, assim como Vital do Rêgo, Sherman Cavalcanti e Marcos Bemquerer. 

A recomendação de bloqueio de bens havia sido feita no ano passado pela unidade técnica responsável pela análise do contrato. O Ministério Público junto ao TCU foi contra aplicar a punição nesse momento, e recomendou apenas a abertura do procedimento de apuração para que, no final, houvesse a análise do bloqueio. A advogada Tathiana Vieira Viggiano Fernandes, que representou a Andrade Gutierrez no julgamento, afirmou que a empresa, sim, está colaborando com o tribunal e que "a declaração da indisponibilidade de bens é desastrosa". "Dificulta honrar compromissos, traz repercussão negativa no mercado privado, e na nossa visão não faz sentido punição a uma empresa leniente que vem contribuindo", disse.

No debate, o ministro Bruno Dantas chegou a afirmar que a empresa roubou os cofres da Eletronuclear. "A empresa não me consultou antes de roubar os cofres da Eletronuclear, se deveria ou não fraudar contratos", disse Bruno Dantas. O ministro destacou que, se somados os processos que investigam a Andrade Gutierrez, o prejuízo passa dos R$ 10 bilhões. "Se ela (empresa) achar que vai quitar as dívidas com os cofres brasileiros com R$ 1 bilhão, então eu não sei o que estou fazendo aqui", disse Bruno Dantas. O ministro André Luís de Carvalho, que votou para rejeitar a punição, fundamentou que a empresa está colaborando. "Colaborar com o Estado Brasileiro, a empresa vem colaborando. O que se discute é o nível de colaboração da empresa com o TCU. Na verdade a gente não pode exigir de maneira muito rígida que a empresa esteja colaborando com o TCU, porque a gente sequer definiu bem como que deve ser dada a colaboração da empresa", disse André Luís.

Ele afirmou ter ouvido da unidade técnica que não houve nenhum pedido formal de documentos à empresa. "A empresa apresentou alguns documentos e a unidade técnica entendeu que não era suficiente. Nós temos quatro pareceres sendo que somente um, que é o do secretário, é a proposta de cautelar imediata", disse. Para o ministro Marcos Bemquerer, é mais "mais adequado que o tribunal decrete essa medida agora do que posteriormente". O ministro Bruno Dantas citou que há a possibilidade de a empresa propineira Odebrecht entrar em processo de default (calote), caso não consiga honrar o pagamento de R$ 500 milhões referente a uma dívida com credores internacionais. "Minha preocupação é deixarmos de agir no momento processual adequado", concordou com Bemquerer.

No debate, houve um reconhecimento de que é preciso deixar mais claro como as empresas devem colaborar com o TCU. O ministro Sherman Cavalcanti, nesse sentido, propôs a criação de uma comissão no TCU para analisar caso a caso as colaborações de cada empresa que firmou acordo de leniência. Ele ficou de apresentar a proposta formalmente na próxima sessão. Outro ponto destacado pelo relator foi que a Andrade Gutierrez entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para impedir que o TCU aplicasse a punição de inidoneidade - que significa a proibição de contratar com o poder público. "Não entendo como a empresa pode colaborar e litigar (disputar na justiça) ao mesmo tempo. A Andrade Gutierrez em vez de colaborar com o TCU escolheu a via judicial", disse Bruno Dantas.

O ministro citou decisão do ministro Gilmar Mendes, de 13 de abril, que impediu o TCU de declarar a inidoneidade à Andrade Gutierrez no processo que tratava do cartel na licitação para montagem da usina nuclear - punição que impediria a empresa de contratar com o governo federal por alguns anos. Na decisão, revelada pelo Estado de S. Paulo, o ministro apontou que essa punição inviabilizaria o próprio cumprimento do acordo de leniência firmado pela Andrade Gutierrez com o Ministério Público Federal em 2015.

Para Bruno Dantas, a decisão de Gilmar Mendes não impede o andamento de outros processos contra a empresa leniente e aplicação de outras punições. O relator é o ministro Bruno Dantas, que já poderia ter tomado uma decisão monocrática (individual) sobre o pedido de bloqueio de bens ou pautado anteriormente para julgamento, o que não fez. "Como o próprio Supremo Tribunal Federal proibiu que essa corte decretasse a inidoneidade, evidentemente, ela podendo contratar com o poder público, não vislumbro que o bloqueio de bens vá inviabilizar as atividades da empresa. Naquela mesma oportunidade, na decisão do ministro Gilmar Mendes, sua excelência negou o pedido expressamente formulado pela empresa de suspensão do processo", disse Bruno Dantas.

A advogada Tathiana Vieira Viggiano Fernandes, que representou a empreiteira corrupta e propineira Andrade Gutierrez no julgamento, afirmou que o pedido da empresa era apenas para a suspensão de processo que tratava de declaração de inidoneidade, e não de todos os processos. "A empresa colocou à disposição da unidade técnica todas as folhas de pagamento de mão de obra, entre outros documentos, que não foram analisados ainda. Talvez essa contribuição, e eu não sei por que não foi analisada ainda, não seja suficiente. Mas isso não é um fim, é um começo. Estamos todos tentando entender como deve ser dada a contribuição. A empresa tem intenção de contribuição com o tribunal, tanto é assim que nós estivemos nos gabinetes de vossas excelências. A empresa se coloca a disposição do tribunal e quer virar uma página", disse.



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